Uma característica das grandes metrópóles da América Latina é a presença, na periferia, de uma grande quantidade de favelas. Nelas, as habitações são humildes, sem quintal ou jardim que as separe e, ao invés de um telhado, uma lage de cimento. Além de servir de cobertura e futuro suporte para um sobradinho, esse artifício da construção civil tem outras utilidades - serve como quintal para estender roupa, área de lazer e confraternização, onde são realizadas festas, churrascos e onde também, as mocinhas ganham uma cor nos finais de semana ensolarados. Tanto assim que, segundo lenda que circula nessas cidades, existe um tal de concurso da Garota da Lage, criado para escolher a garota da periferia com o bronzeado mais bonito. Todo o mundo já ouviu falar disso, contudo, ninguém sabe quem o patrocina e em que canal de tevê se pode vê-lo.
Pois bem - no dia 29 de dezembro, estava lendo o jornal, quando deparei com a notícia de que Azelina Viana da Silva, uma merendeira aposentada, de 76 anos, moradora da favela do Morro do Pavão-Pavãozinho, estava organizando o Primeiro Reveillon na Lage. Segundo a reportagem, essa senhora, moradora do local há 76 anos, tem uma vista priveligiada da Praia de Copacabana, desde que se suba na lage de seu barraco. Ao longo dos anos, sempre convidava parentes e amigos para apreciarem a queima de fogos na passagem do ano, reunindo todos na lage de sua residência. Após a queima dos fogos, todos ficavam por ali mesmo, bebendo, comendo alguma coisa, comemorando a passagem do ano.
Acontece que dona Azelina teve um estalo e além dos parentes e amigos, decidiu convidar turistas para ver a queima de fogos, organizando assim o primeiro reveillon na lage. Devidamente assessorada por agência de turismo,ela investiu num segmento do mercado que é abundante nessa época do ano, no Rio de Janeiro - o do turista que não tem onde passar o reveillon. Cada um pagará a quantia de 250 reais,mais ou menos 110 euros, com direito a salgadinhos, espumante e caipirinha. A idéia empolgou a todos e já se fala na construção de cerca de 40 lages para o reveillon deste ano. É isso ai, dona Azelina - força no salgadinho. Quem sabe, daqui alguns anos, a senhora poderá comprar uma casa no asfalto, com o dinheiro arrecadado com mais essa modalidade de investimento.
Só pra terminar - na tarde do dia 31, estava eu na Avenida Ipiranga, vendo os participantes da Corrida de São Silvestre, quando encontrei Naja Maria. Até aquele instante, não sabia que ela se interessava por essa modalidade de esporte. Contei o fato para ela, que mora numa cobertura chiquérrima de Higienópolis, herança dos tempos dos barões do café. Ela refletiu um pouco e disse que vai também alugar a cobertura de seu apartamento, não para queima de fogos de reveillon. Acompanhando a tendência da época, ela pretende alugar sua cobertura, para pessoas depressivas, com tendências suicidas. Além do aluguel do local, o serviço incluiria, entre outros: comidas e bebidas para até 5 acompanhantes, serviços religiosos, serviços de digitação para aqueles que quiserem deixar uma cartinha de despedida, etc. Fico por aqui, pois, se transformar em letras tudo o que Naja Maria disse , tenho certeza de que meu próximo reveillon será embaixo de alguma coisa que nada tem a ver com lage.