Semana passada vi esse filme, que ainda tem gerado polêmica no público que viu e não viu. A estória do Capitão Nascimento é narrada através da trajetória de dois aspirantes que ingressam na Polícia Militar do Rio de Janeiro, Neto e Matias. O pouco que entendo de cinema me permite dizer que o trabalho do trio de atores está muito, mas muito acima da média. A ambientação do filme leva para um mundo de sombras, surreal e ao mesmo tempo bastante familiar.
Sobre o conteúdo do filme não há nada para ser dito. "Tropa de Elite" poderia ser um filme mudo e ainda assim atingiria o público. Seus diálogos, seu roteiro, as razões que regem o comportamento de seus personagens, as causas daquela guerra urbana, ou melhor civil, estão o tempo todo atingindo nossa visão e audição. Surgem nas manchetes de jornais, nos noticiários do rádio e da televisão, em publicações especializadas. São temas de debates em foruns de naturezas diversas, de teses de graduação universitária. São universais, embora estejam mais em evidência em locais como São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do México, Bagdá, Londres, Karachi, Rangum, Los Angeles, Paris, Cidade do Cabo, Rússia, Somália.
Normalmente, filmes onde a violência é o principal ingrediente me causam grande mal estar. Contudo, fui ver Tropa de Elite sabendo o que iria presenciar e tendo noção de minha parcela de responsabilidade na situação como um todo. Nesse sentido, o filme não me desiludiu e, para aqueles que, precipitadamente, taxam o filme de fascista e denigrem o trabalho da polícia eu diria: ruim com eles, pior sem eles. Se a bandidagem ainda dá um pouco de sossego à nossa elite e classe média isso deve-se à existência não de uma, mas de várias tropas de elite. Se a proposta é equivocada, aqueles que assim o acham, abandonem a hipocrisia nossa de cada dia e comecem, dentro de suas próprias vidas, com seus familiares, no seu trabalho, nos vários campos pelos quais circulem, a prover as medidas necessárias, de caráter legal e cultural.
Sou muito pessimista em relação à raça humana. Ao longo desses quase sete mil anos de existência histórica, o modo de garantir a nossa existência física, a forma de se relacionar com o ambiente e com os nossos semelhantes, se produziu maravilhas, também produziu miséria e degradação. No cômputo geral, o lado "B" da humanidade dá de dez a zero no lado "A". Ao longo de nossa história, fica demonstrado que o ser humano tem um talento inato para o Mal. Para onde quer que foquemos nosso olhar e nossa capacidade de análise e crítica, ao lado de maravilhas, defrontamos também ódio, preconceito, morticínio, guerras, doenças e pestilências em geral, sejam elas físicas ou morais. Não atingimos ainda a maturidade suficiente para agradecer e bem aproveitar o melhor dos presentes que a Natureza nos deu - a felicidade e responsabilidade que é existir e ter consciência da brevidade da nossa existência. Temos, ou pelo menos tínhamos, condições para transformar nossa passagem por esse mundo num paraíso. Optamos pela dor, pela infelicidade, sofrimento, degradação e miséria.
Alguns astrônomos afirmam que dentro de cinco milhões de anos, nosso Sol vai inchar e engolir Mercúrio, Vênus e Terra. Acho que seria um favor que a Natureza prestaria ao restante do universo, isso se até lá, esse mesmo universo já não estiver sido contaminado pelos vírus de nossa raça. Sei que isso é amargo, é uma capitulação, uma rendição. No entanto, ao longo dessas minhas quase sete décadas de vida, não vejo razões para pensar de modo diferente. Talvez, você que esteja lendo esse escrito e se tiver a felicidade de sobreviver a mim, possa chegar a conclusões totalmente diferentes. Eu, porém, acho que passarei desta para outra, com a certeza que a humanidade falhou, a raça humana não deu certo.
Quarta-feira fui ao cinema, dia de meia entrada, sabe como é. Além do mais, gosto de ir ao cinema durante a semana, principalmente na última sessão. Na volta, a cidade se preparando para dormir, o nível de decibéis já bem reduzido, o número de pessoas por metro quadrado bem reduzido também, tudo isso me dá uma sensação de bem estar, de intimidade, fica mais fácil dialogar com a cidade. Além disso, devo mencionar como é bom a idéia de voltar para o lar, se jogar na sua cama, com o seu cheiro, a forma de sua cabeça no travesseiro - principalmente, se o filme visto é algo do tipo "Tropa de Elite"
Não quero comentar sobre o filme agora, minhas idéias estão muito desordenadas, meus conceitos de bem e mal foram muito remexidos. Quero apenas relatar um fato banal, muito corriqueiro aqui, em São Paulo, quem sabe na sua cidade também, com outras formas, outras cores e outras proporções. Voltei de ônibus e alguns pontos depois entraram dois meninos, dois engraxates, com suas respectivas ferramentas de trabalho. Isso eram mais ou menos vinte e três horas. O menor deles aproximou-se da cobradora e perguntou-lhe se poderiam passar por baixo da catraca. Ela, sem tirar os olhos do celular, fez um aceno dando seu consentimento. Quem já viu essa situação, sabe quão degradante ela é - a pessoa tem que se abaixar e passar, quase raspando as costas no assoalho do ônibus. Vendo isso, me lembrei do filme. E enquanto os garotos passavam pela catraca, no fundo de mim uma sensação nada confortável de ter visto o provável caminho desses garotos. Fiquei assim, paralisado.
Pelas campinas sem fim
Voam gentis borboletas
Com suas asas sutis
Verdes, vermelhas e pretas
Oh, quem me dera ser um
Desses delicados bichinhos
Para beijar uma rosa em botão
Sem machucar meu peitão
É luz, é sol, é primavera
Da janela, subindo o muro
A rastejante hera.
Quero o perfume da rosa sorver
Antes que o dia escureça
E o idiota de um passarinho
Cague em minha cabeça.
Macia como algodão
A brisa da manhã anuncia
A estação das flores
A natureza em festa
Se entrega à delícia dos amores
Da calçada de minha rua
Em delírio, ouço o arrulhar dos passarinhos
Enquantos atolo meus pés
No cocô dos cachorrinhos.
Dizem que trabalhar é bom, o trabalho enobrece e dignifica o homem. Sei lá, depende de que tipo de trabalho. Trabalhar para os outros, acho que nem sempre é bom, nem sempre enobrece e dignifica o homem, a mulher, quejandos e assemelhados. Sendo assim, umas férias, um bocadinho de tempo sem fazer nada, além de balançar o beiço, quejandos e assemelhados é "bão", né? E assim sendo, nos meados de setembro, catei minhas tralhas e cacarecos, dei um sumiço. Nada de cruzeiros marítimos ou terrestres. Aéreos - nem pensar, não tô a fim de virar estatística e ver o meu ilustre nominho compondo uma lista de habitantes do andar de cima. Além do quê, a grana tá curta demais e os juros do cheque especial assustam até o demônio.
Nessas situações e considerando as circunstâncias acima e mais outras variáveis, tomei um ônibus e fui para a cidade onde me cresci e estudei, antes de me mudar para a capital. Fui para Osvaldo Cruz, a princesa da Alta Paulista. Não sei porque alta, porque a cidade fica numa depressão em relação à capital do estado, acho que a quatrocentos metros acima do nível do mar. Cidade pequena, meio esquecida no sudoeste do estado. Local confortável para minha estadia não me faltou, visto que irmãos e sobrinhos ainda residem por lá.
Cidade pequena, onde o terreno é quase plano, permitindo que a vista se alongue a quilômetros e onde o sol se recolhe bem devagar. Parece que se afoga no mar de poeira vermelha, filha da seca de inverno. Graças ao aquecimento global, fui contemplado pela graça, elegância e beleza dos ipês amarelos, rosa e brancos desabrochando agora, competindo inesperadamente com as primaveras vermelhas, brancas, amarelas e lilases. Desnecessário dizer que essas representantes da flora estavam irritadíssimas, estrassadíssimas, tendo pitis a todo momento e hora. Comentava-se que entrariam com uma representação contra os ipês, junto à comissão julgadora do "Primavera Show and Concert Week".
Com ou sem representação, desfrutei da beleza daquele espetáculo e, nos intervalos aproveitei para colocar minha leitura em dia. Terminei de ler "A Sangue Frio" e devorei "América", "Eu, Claudius, Imperador" e "História da Bíblia - Cristianismo Nascido Como Complô". O primeiro, sem comentários - já é bastante conhecido, principalmente depois do filme "Capote", aclamado e "oscarado". Já o segundo, "América" é uma ficcão que trata do encontro catastrófico de dois mundos, colados na geografia, abissalmente distantes na economia e política - o mundo de Delaney, um cidadão de classe média alta, americano e californiano e o mundo de Cândido, um imigrante ilegal e mexicano. O terceiro é um romance escrito com base na autobiografia de Tiberius Claudius Drusus Nero Germanicus, trocando em miúdos, o imperador Claudio, sucessor de Calígula na lista dos césares.
A idéia central do quarto e último livro é muito interessante. O autor , o para mim desconhecido Archer William Smith, parte do princípio de que o cristianismo foi fruto de um complô. Envolvidos nele estavam João Batista, Simão Cirineu, José de Arimatéia, Caifás, Nicodemus e Bartolomeu, posteriormente cognominado Jesus. A finalidade desse complô era o de levar os judeus à uma rebelião, que ajudada pelos persas, terminaria por expulsar os romanos da Palestina. Essa rebelião fora meticulosamente concebida por João Batista e Simão Cirineu, autores do projeto "O verbo se fez carne".
Nesse projeto, Bartolomeu-Jesus, um carismático, bonito, simpático e mulherengo charlatão, nascido em Nazaré, teria o papel de incitador das massas, através da pregação das "boas novas", ou seja, do evangelho. José de Arimatéia seria o patrocinador financeiro e relações públicas junto aos persas, já que além de podre de rico, tinha ótimos contatos na corte daquele país. Nicodemus e Caifás seriam os responsáveis pela validação dos atos de Bartolemeu-Jesus junto ao poderoso Sinédrio e por extensão, a todo povo judeu. Pena que o complô não deu muito certo. Na hora "h", Bartolomeu-Jesus, percebendo que havia uma grande possibilidade de dançar e dancar feio, consegue escapulir da cana no Getsamâni (horto), deixando o pepino para Judas Tadeu, que além de ser seu irmão de sangue, era práticamente sua cara. Bem, o resto eu não contarei, pois é tarde da noite, já bocejei trocentas vêzes. Além disso, o livro é baratinho e tem umas duzentas páginas, em letras grandes, ouviram? O autor não cita fontes, dando a entender que tudo foi coisa de sua cabeça. Em todo o caso, acho que vale a pena ler. Acho que daria um ótimo filme, no estilo humor negro. Será o que o Mel Gibson toparia fazê-lo?