Domingo, 29 de Março de 2009

PAULINE E O TEMPO

       Nesses últimos anos minha noção de tempo está sensivelmente mudada. Fatos que aconteceram pela manhã, são recordados como se tivessem ocorrido no dia anterior, ou, na semana passada. E o que é mais estranho, quando esses fatos são rememorados tempos depois, a impressão é de que aconteceram há meia hora atrás. Parece que o tempo estica e encolhe como se fosse uma sanfona.

        Antigamente, as informações demoravam a chegar até nós. Uma carta de um parente distante, uma notícia importante, um cartão postal que enviávamos chegavam a seu destino dias depois. A roda do tempo era mais lenta, o que criava um espaço onde podíamos analisar, refletir sobre as informações que chegavam até nós. Hoje, ao mesmo que tempo ficamos sabendo dos buracos da cidade, de quebra ainda somos informados sobre um furacão em uma ilha qualquer da Indonésia, de um atentado no Iraque, um terremoto na Turquia, a queda da bolsa de Londres, uma socialite famosa que ficou pelada em Los Angeles, uma chacina na Somália, inundação na Austrália e vai por aí.


        E com tudo chegando ao mesmo tempo, lá se vai o espaço para reflexão e o que fica é um espaço vazio, preenchido por informações sem vida, sem crítica. Tenho a impressão de que essa solidão de que tanta gente se queixa, nada mais é que a consequência desse espaço cheio de bobagens, de coisas inúteis que são essa avalanche de informações que nos atingem. O nosso espaço reflexivo desapareceu e com ele, nossa análise, nossa crítica e nossa capacidade de intervir esentir-se como ser vivente e atuante.

        Mudando de assunto, ontem fui ver "Simplesmente Feliz". Filme inglês do mesmo diretor de "Segredos e Mentiras", lembram? Aquele filme sobre uma mulher já cinquentona, que um dia abre a porta da sala e dá de cara com uma mocinha negra, fruto de sua vida de hiponga tresloucada. Em Simplesmente Feliz, Pauline é uma professora primária de uma escola de Londres, Uma pessoa de um otimismo à toda prova, sempre procurando e achando o lado menos negro da vida. Se você vir o filme e não rir nas sequências das aulas de direção, de dança flamenca e da cama elástica é porque você certamente está numa bad daquelas, meu caro, minha cara. Fiquei com a sensação de que Pauline vive o momento, se apropria de seu tempo e faz dele o uso que bem entende. Seria isso, um dos pilares da felicidade?

        Seja como for vale a pena ser visto. Já repararam que é muito raro um filme tratando de pessoas comuns e felizes?  Será que é porque, como diz uma frase atribuída a Leon Tolstoy, todas as felicidades são semelhantes, mas cada infortúnio tem seu aspecto particular?

sinto-me: voando nas asas do tempo
publicado por cacá às 22:51
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Quinta-feira, 19 de Março de 2009

QUARTA, À NOITE


        Realmente, não pegou nada bem a excomunhão da equipe médica que interrompeu a gravidez de uma menina de nove anos, gravidez essa fruto dos abusos sexuais a fora submetida pelo padrasto, um sem-caráter de vinte e três anos. E, como se não bastasse, a excomunhão foi estendida à mãe da garota.

        Aqui, em terras brasilianas, o aborto é permitido quando a gravidez resultar de um estupro ou quando a vida da mãe estiver em jogo. O caso da menina se encaixava nas duas situações. Contudo, a Igreja Católica não quis nem saber - tascou a excomunhão em todos. Dias depois, não sei se por vergonha da reação nacional e internacional, voltou atrás. Uma outra autoridade eclesiástica declarou que a excomunhão não ocorrera. Assim, ficava o dito pelo não dito, e os quase-excomungados poderiam dormir em paz, pois ainda pertenciam ao rebanho de Jesus Cristo. Se bem, algumas das reações deles, demonstrou claramente o pouco prestígio que a Igreja Católica tem entre seus fiéis. Um dêles declarou que era uma honra ter sido excomungado naquelas circunstâncias, outro afirmou que, apesar da excomunhão, ainda continuaria frequentando a igreja, ou seja, ainda sentia-se como parte dela. Houvesse o acontecido acontecido lá pelos anos 1960 ou 1970, outra seria a reação dos envolvidos.

        Com a assunção de João Paulo II ao Vaticano, a Igreja deu uma guinada violenta. Distanciou-se de seus fieis e de seus problemas de ordem material e espiritual. A todos suas queixas, oferece tão somente a terapia do reino dos céus. O resultado não poderia ser outro - a debandada para outras seitas e religiões, entre elas os evangélicos, e o desaparecimento das vocações. E a situação tende a piorar a julgar-se pelas posições de Bento XVI. Que saudades dos velhos tempos das comunidades eclesiais de base, da igreja participante, da igreja solidária.  

        Quero deixar claro que não sou a favor do aborto, mas sim da gravidez responsável. Esse conceito é o resultado de uma série de medidas que vão desde a melhoria na qualidade da educação formal, na orientação sexual para adolescentes e adultos, no combate aos preconceitos machistas e na quebra da hipocrisia da sociedade quando o assunto diz respeito à atividade sexual. Creio que mulheres e homens bem informados, conscientes de suas responsabilidades tem bem menos chances de se envolver em situações que resultem numa gravidez indesejável. Contudo, se a alternativa para o a aborto for o nascimento de um filho indesejado, não tenho dúvida, fico com a primeira alternativa.  E tem mais, se a interrupção da gravidez tiver que acontecer, que aconteça o mais rápido possível.

        Para terminar - dizem que ao ser inquirida sobre se a excomunhão seria estendida ao padrasto da menina, a autoridade excomungante afirmou que o crime que aquele senhor cometera não era passível de excomunhão. É bem provável que essa autoridade estivesse dizendo a verdade, contudo, é o caso de se dizer: "estupradores, sintam-se em casa!!!"

sinto-me: tô com diabo no corpo
publicado por cacá às 03:04
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Domingo, 15 de Março de 2009

HUM...SEI LÁ OU DOMINGO, À TARDE

         Já faz algum tempo que não visito meu próprio blog. Falta de tempo e coisas parecidas é tudo mentira - foi preguiça mesmo. Também, ter um blog não significa que se deva ornamentá-lo diariamente com palavras de profundo saber. Parêntesis - pra que serve mesmo um blog? Será que algum pesquisador do futuro, com base nos bilhões de blogs existentes, montará um perfil da humanidade ao longo deste e dos futuros séculos? E ainda, prosseguindo na mesma senda - quantos  blogs realmente interessantes vocês conhecem? Eu não conheço nenhum - nem o meu, tanto assim, que além da preguiça, o que muito me desmotiva é o fato de saber que nada de interessante estou produzindo, quando ponho aqui essas mal traçadas linhas. Bem, acho melhor ficar por aqui, antes que essa autocrítica se transforme num ataque insensato aos blogs em geral. Nesses tempos em que vivemos, de violência gratuita e banalizada, é bom ter cuidado com o que se  fala e com o que escreve - não quero ser vítima de algum blogueiro terrorista.

        Nesta semana, vendo o noticiário da tevê, tomei um susto daqueles. O apresentador falava da crise que está abalando o mundo. E, para convencer seus telespectadores de que a coisa tá brava, mostrou um de seus mais interessantes flashes: um acampamento de sem-emprego e, atualmente sem-teto, que se instalou e está em franco desenvolvimento, num terreno baldio de Sacramento, capital do estado americano da  Califórnia. O susto que tomei somente se compara a um outro, acontecido há quase trinta anos, quando morei em Oakland, também no estado americano da Califórnia. E, o que provocou este susto, foi o fato de ver, num beco daquela cidade, uma pessoa procurando comida numa lata de lixo. Procurar comida em lata de lixo é coisa de país emergente, um eufemismo para terceiro, quarto ou quinto mundo - nunca para Uncle Sam, não é mesmo? Não é essa a imagem que ele (Uncle Sam) se esmerou em passar, ao longo de tantas décadas? América - a terra das oportundades, terra da liberdade, "this is a free country" diz o bordão de Hollywood, "yes we can" diz o refrão de Obama. E, de repente, você vai para a free country, para a promised land e ve um nobodly John catando o que comer, numa lata de lixo!!! E como se não bastasse, fica sabendo de dois amigos, sem teto e sem emprego, indo a pé para Los Angeles, procurando emprego em cada cidade em que passavam, sem nada encontrar!! E, para completar, fica sabendo que no tal acampamento, um de seus habitantes é um respeitável senhor de classe média, que,em suas palavras, trocava de carro todo o ano e tinha um salário respeitável!!! Diante de tudo isso, o mínimo que se pode sentir é que nosso querido queixo foi parar na Patagônia. Realmente, há algo de errado com nosso sistema de produção e distribuição de riquezas, com nossa fábrica de sonhos. Se produz muito para poucos e, para todos, os sonhos se transformaram em pesadelos. Isso sem falar na fragilidade dos laços que sustentam esse sistema - da noite para o dia, fortunas e fortunas são reduzidas a pó, com a mesma banalidade e naturalidade com que trocamos de cueca e calcinha.

        A televisão,os jornais, tem aumentado suas horas e sua quantidade de papel falando desta crise, em notícias, entrevistas e debates. De tudo o que ouço e vejo, aos poucos uma sensação tem surgido - a de que este sistema de produção e distribuição de riquezas, essas crises, que de repente parecem vir do nada, tudo isso é obra de algum Coringa Transgalático, que resolveu se divertir às nossas custas e claro, só ele tira proveito de tudo isso. Aliás, vocês notaram que em toda a crise nunca se acha os culpados e, que sempre o mesmo grupo sai ganhando? Foi assim na Tailândia, na Rússia e, está sendo assim agora. Acredito que os pensadores, os formadores de opínião da atualidade, os políticos bem intencionados -existe algum?- deveriam colocar no centro do debate a questão dos Valores que norteiam nossa sociedade. Pode parecer quixoteso e piegas, no entanto, não dá, não dá mesmo pra tapar o sol com peneira - a sociedade do Ter já deu o que tinha que dar. Tá mais que na hora de começar a lançar os alicerces da sociedade do Ser. Até lá, o senhor Obama, os USA e seus fãs poderiam muito bem construir  uma via de real cooperação, de troca de experiências e intercâmbio com outras economias. Ou isso, ou o buraco, my dear. Como sempre,  saída tá na cara. Resta saber se teremos coragem de assumi-la. Como sempre, espero que sim!


Obs.: os erros de português que cometo no tocante à colocação de pronomes, são propositais. É assim que falamos no Brasil. Depois do contato que tivemos com negros e índios, nunca mais conseguimos dizer "deixá-lo, amo-te, dá-me" e sim "deixar ele, te amo, me dá", com muito orgulho, aliás.

   

sinto-me:
publicado por cacá às 16:39
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