Quarta-feira, véspera do aniversário da cidade, antes das dez horas saio do metrô Brigadeiro e quase que disparo em direção da esquina. Já estava um pouco atrasado para a consulta médica. Um dia um tanto quente, neste verão meio chocho que acontece nesses tempos pós-protocolo de Kioto. As calçadas, formigando de gente de todos os tamanhos, de todos os coloridos, de todas as formas. Dobro a esquina, meu corpo ingressa na Brigadeiro e de repente, deparo com o simpático casal - Marilyn e Bob.
Ela, no viço de seus quase vinte anos, de formas não tão exuberantes quanto à sua inspiradora. Fazia uma Marilyn um pouco mais enxuta, uma Marilyn minimalista, para usar uma terminolgia adequada a esses nossos tempos de pós-qualquer coisa. Rosto risonho, tagarelando, bastante expansiva, loiríssima, usava um vestido branco de mesmo feitio que o outro, o original, aquele que foi usado na famosa cena do respiradouro do metrô. Para quem não sabe do que estou falando, quero lembrar que: a ) Marilyn Monroe foi uma estrela muito famosa na galáxia de Hollywood, b) faleceu em agosto de 1962, consta que a causa mortis foi suicídio, c) consta que teve um casinho amoroso com o um dos presidentes mais famosos dos Estados Unidos, John Kennedy, d) entre os filmes que realizou, um deles teve o título brasileiro de "O Pecado Mora ao Lado", acho que é isso, em inglês o título era "Seven Years Itch", e) é desse filme a famosa cena que ela aparece, em pé sobre o respiradouro do metrô, tentando com as mãos evitar que a saia do vestido suba além do necessário, levantado que foi pela ventania provocada pela passagem dos
trens no túnel do metrô.
Deixando Marilyn de lado, Bob...bem Bob era feito por rapaz alto, um tanto magro, não muito minimalista, também na pujança de seus vinte e poucos anos. Calça preta, camisa de mangas compridas vermelhas como os Bob originais e aquele chapelão que mais lembra um gigantesco panetone, também como os Bob originais. Ao contrário de Marilyn, estava circunspecto, não sisudo. Oferecia o braço para a sua tagarela e exótica companhia, parecia o soldadinho de chumbo dos contos da Carochinha. Para quem ainda não sacou do quê estou falando, quero lembrar que Bob é nome pelo qual são apelidados os guapos rapazes que compõem a guarda real de sua alteza, Elizabeth II, rainha da Inglaterra.
Quando meu olhar avistou esse bizarro casal, meu corpo freou como que por instinto. Apesar da pressa, consegui reservar alguns instantes, o suficiente para notar o estranhamento provocado pelo casal. Antes que atravessassem a Paulista e regressassem para o túnel do tempo, notei que uma garotinha arregalou os olhos, talvez um pouco assustada. Já o garotinho que surgiu alguns transeuntes depois, sorriu - pela expressão do seu rosto conclui que sorria de Bob. Uma senhorinha de preto, apenas olhou. Umas aborrescentes lançaram flechas oculares para Bob. E eu - bem, eu me postei ali, alguns metros depois da esquina, observando o casalzinho se dissolvendo na multidão. Saindo daquele universo paralelo, um pedaço de minha alma conseguiu acompanhar Bob e Marilyn, por alguns momentos. A outra, retomou o caminho para o consultório médico. Juntaram-se alguns minutos depois, numa sala imaculadamente azul, cheirando a ar condicionado. São Paulo, você me deixa de quatro.