Essa, minha querida Naja Maria tirou do cofrinho de urutu-cruzeiro, coisa herdada de sua bisavó que era um bugre. Como voces já devem estar estressados de saber, eu e a Naja nos conhecemos no Colégio Flores do Lodo, onde juntos cursamos o Propedêutico. Isso foi no tempo em que a) "pet shop" era uma expressão que não existia na boca de ninguém; b) "irado" era alguém tomado, avassalado ou consumido por profundo sentimento de raiva ou ódio; c) "balada" era um gênero de música romântica, ou então, ser atingido por alguma bala atirada por algum engraçadinho ou pessoa de maus bofes; d) "bala perdida" era um tipo de confeito ou doce que você ganhava de alguém (tia, avó, pai, mãe, etc) e esquecia em algum lugar - rua, banheiros públicos, casas públicas, e) "ficar" era estar ou permanecer em algum lugar , posição ou modo. Exemplos: "fiquei na casa da Lupita, aquela sirigaita do 201", "fiquei sentado, vendo a caravana passar. Os cachorros não latiram", ""fiquei bege quando vi o tamanho do decote de Isadora Silderleide". Deu para sacar?
Voltando ao planeta, certa tarde, depois do chá de anis com bolachinhas de nata , à sombra da mangueira, comentando sobre os revezes da vida, Naja Maria me sai com essa: "a vida não é um "self service" onde você entra e se serve do que bem entende. A vida mais se parece com uma quentinha - você pede, paga, abre e come o que encontra. Se não gostar, azar o seu, meu bem - vai ficar com fome, pois a vida não oferece serviço " à la carte". É isso aí, fui.
GLOSSÁRIO
BUGRE - tribo indígena do sul do Brasil.
PROPEDÊUTICO - curso preparatório a estudos superiores
MAUS BOFES - pessoa de péssima índole
SIRIGAITA - mulher oferecida, sem recato, namoradeira, o mesmo que lambisgóia
MANGUEIRA - árvore frutífera cujo produto é a manga. Não confundir com conhecida escola de samba carioca.